É censo comum: a educação, como a cultura, é o bem maior de um povo, uma nação soberana. É garantida nas leis, como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na própria Constituição Federal; nas declarações universais de direitos humanos, e até nos provérbios e ditos populares. Mas, por que, afinal, as promessas de campanhas políticas de Educação não são de fato executadas? O que falta para que o país assuma metas de grande vulto?
Para tentar reverter o quadro, os trabalhadores prepararam uma plataforma de Educação que está sendo apresentada aos candidatos à eleição municipal em 2012, levando em conta a herança de um país rico em diversidade, mas ainda muito castigado por suas desigualdades. O Brasil iniciou sua curva de crescimento, porém, para que não haja retrocessos, é preciso criar bases mais sólidas sobre o conhecimento.
Para isso, é preciso investir nos saberes básicos, na Educação Infantil e Fundamental, além de resgatar jovens e adultos que tiveram prejuízos educacionais – com o EJA (Educação de Jovens e Adultos). Atualmente, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (Inep), cerca de 51,5 milhões frequentam a educação básica, incluindo alunos de ensino técnico, educação especial (para pessoas com deficiência) e EJA.
O mínimo constitucional
Desde a década de 1930, a Constituição estabelece um mínimo de despesa no ensino básico, a incidir sobre a receita obtida de impostos diretos ou repasses de outros níveis de governo. Para a Educação, a União deve empregar nunca menos que 18%; e estados, Distrito Federal e municípios no mínimo 25% de seus orçamentos, cada. Em alguns estados e municípios, o percentual é maior. É o caso do estado de São Paulo que, todo ano, deve investir no mínimo 30%.
“Você precisa de orçamento para a educação. É o Estado o grande financiador da educação”, afirma Marcia Almeida Machado, secretária-geral do Sinpro (Sindicato dos Professores do Espírito Santo) e vice-presidente da CTB, que ressalta outro ponto da plataforma dos trabalhadores: o monitoramento das metas do Plano Municipal de Educação (PME). Além de promover a Educação no nível municipal, é o PME que fortalece os regimes de colaboração entre municípios, estados e União.
“Fica muito difícil para o município exercer seu papel sem essa colaboração”, lembra Márcia Machado. Vale acrescentar que os estados cuidam do Ensino Fundamental e Médio e o governo federal, do Ensino Superior. Para que a engrenagem dê certo, falta integrar as ações.
Ela conta que atualmente dos 78 municípios em seu estado, 42 já possuem uma rede própria de educação e que, portanto, têm um PME. “Quase 60% dos nossos municípios possuem planos municipais, e os demais são integrados ao sistema estadual. Mas para que as metas se tornem realidade é importante antes de tudo a atuação dos conselhos, que estão cada vez mais perdendo sua função de fiscalizar”, explica ela.
Existem alguns locais onde a sociedade civil pode participar da gestão escolar, como as Associações de Pais e Mestres (APMs), os Conselhos Escolares, os Conselhos Municipais de Educação (CMEs), que reúnem também representantes da comunidade escolar para decidir os rumos da educação do município. É o CME que dá autonomia para a rede municipal. Também há conselhos específicos para fiscalizar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que financia todas as etapas da educação básica e programas destinados a jovens e adultos, visando a redistribuição dos recursos levando em consideração o desenvolvimento social e econômico de cada região.
“Onde há conselho de educação funcionando é possível dar um rumo melhor para a escola do seu filho ou filha. Além disso, contribui para a educação democrática, não somente nos processos administrativos, mas nas relações políticas e pedagógicas entre os atores que envolvem a escola. Para atingir o global é preciso focar no local”, ilustra Marcia, citando o pensador e sociólogo francês Edgar Morin.
Para Cristiane Gandolfi, professora do Curso de Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo, a sociedade civil, os pais e a comunidade como um todo estão muito distantes do PME. “Falta um esclarecimento por parte dos governos e uma atuação maior das organizações que atuam no setor para chamar as pessoas para os conselhos”, questiona.
Universalização
O ECA garante atenção integral à criança e ao adolescente. Seu artigo 57 institui que o “poder público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório”.
No entanto, ao analisar o último PNE, referente ao período entre 2001 e 2011, o Ipea (Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada) concluiu, em estudo divulgado em 2010, que os indicadores demonstravam que dificilmente as metas estabelecidas seriam atingidas, especialmente para a Educação Infantil – creche e pré-escola. A meta para 2011 era de que 54,4% das crianças brasileiras de zero a três anos estivessem matriculadas em creches. Embora tenha aumentado o número de matrículas, ainda avanços estava abaixo do patamar de 20%. Já a taxa de frequência à pré-escola variava muito nos últimos anos, entre 55% e 65%, mais ainda distante dos 87,5% almejados, o que significaria matricular na pré-escola praticamente nove em cada dez crianças na faixa etária de 4 a 6 anos.
Já entre as crianças de sete a 14 anos, segundo o Ministério da Educação, 2,4% delas ainda estavam fora da escola em 2008, uma queda de 1,1% em relação aos dados de 2001. Em números absolutos, são 680 mil crianças sem frequentar a sala de aula, sendo 450 mil negras e pardas, a maioria residente no Norte e Nordeste, onde se concentram famílias que vivem em situação de miséria.
Para reverter o quadro, o governo Dilma Rousseff anunciou, em maio, o programa Brasil Carinhoso, com repasse de R$ 169,8 milhões para dois milhões de famílias extremamente pobres com crianças até 6 anos, 1.512 novas creches, além das 1.507 em construção. Uma das promessas de campanha da presidenta é a construção de 6.427 creches.
Os Planos Municipais derivam das diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE), e têm um período de vigência de 20 anos. O PNE ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. Em 26 de julho deste ano, uma sessão da Comissão Especial que discute o PNE na Casa, fez uma votação histórica. Após a aprovação unânime do PNE, que acolheu um destaque do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), aumentando o patamar de 8% do PIB (Produto Interno Bruto), proposto pelo governo, para 10%. Segundo o texto aprovado, os recursos devem ser ampliados dos atuais 5,1% do PIB para 7%, no prazo de cinco anos, até atingir os 10% ao fim de vigência do plano (até 2020). A proposta segue para o Senado.
No entanto, o Ministério da Educação chegou a declarar que a proposta aprovada equivale a dobrar em termos reais os recursos para a Educação nos orçamentos dos executivos, incluindo o das prefeituras. O MEC diz que estudará as repercussões e as implicações da decisão e aguardará as discussões dos senadores.
Os movimentos sociais ligados à educação, como o estudantil, estão atuando nos gabinetes da Câmara para que ele siga seu curso natural e tramite no Senado. “O governo quer reverter essa decisão na própria Câmara, desautorizando a decisão da Comissão Especial do PNE. E isso seria uma tragédia porque além dos 10% do PIB, outros pontos polêmicos serão reavivados. Então a chance do Plano não sair da Câmara neste ano é enorme. Vão querer atrasar a tramitação, desrespeitando uma decisão unânime”, conta Daniel Iliescu, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Piso Nacional
Uma das metas do PNE é a garantia da aplicação do Piso Nacional, instituído pelo MEC em 2009, que atualmente é de R$ 1.450 A manutenção dessa conquista é unanimidade entre os educadores ouvidos por Visão Classista. Tanto é que essa foi a principal reivindicação da paralisação da categoria, em todo país, em março deste ano.
“O piso é o ponto central. Além disso, é preciso reformular o plano de carreiras. Hoje, além de muitos governos não pagarem, ainda, os que pagam acham que estão pagando o teto. Isso sem falar da falta de políticas para a formação. Não se pode perder de vista que o professor é um ser intelectual. Está aí uma provocação aos candidatos: eles concebem o professor como um ser intelectual, que realiza uma função educacional e cultural. Vivemos a chamada sociedade do conhecimento. E eu pergunto: onde está o conhecimento?”, ressalta Cristiane Gandolfi, professora do Curso de Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo.
A professora e vice-coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), Marilene Betros, reforça que é “impossível falar em qualidade no ensino sem falar na formação do professor, que é um dos tripés da valorização: formação, carreira e salário. O professor deve estar preparado para o mundo moderno, em constante formação”, destaca a professora, que participou de uma das greves mais longas de professores, que durou 115 dias.
Educação no campo
O problema do analfabetismo ainda é grave entre a população rural, chegando a ultrapassar 30% no sertão nordestino, segundo o MEC, que reconhece que falta uma política específica para o campo brasileiro.
“A ausência do Estado resultou na baixa escolaridade dos trabalhadores, nos altos índices de analfabetismo no campo, no pequeno número de escolas de Ensino Médio no campo e na raríssima presença dos sujeitos do campo no Ensino Superior. O fechamento das escolas do campo tem sido uma forte pauta dos movimentos, que têm criado novas experiências que podem contribuir com a criação de novas políticas de Estado”, contextualiza Eliene Novaes Rocha, assessora para Educação do Campo da Confederação Nacional dos Trabalhadores para a Agricultura (Contag).
Eliene lembra que nos últimos 8 anos foram fechadas quase 24 mil escolas no campo e, com isso, os alunos levados para as escolas da cidade que, em geral, “não trata o campo como lugar de produção e vida, mas sim como lugar de atraso, de retrocesso.”
“A ideia de Educação na área rural do país deveria remeter à concepção de educação vinculada a estratégia de identidade dos sujeitos do campo brasileiro e da diversidade onde residem. Por isso dizemos educação do e no campo. Do campo, reafirma a identidade, e no campo onde queremos que ela aconteça”, completa Eliene Rocha.
Propostas ousadas para a educação no Brasil
• universalizar o acesso e a qualidade do ensino público;
• colocar em prática as 20 metas do atual Plano Municipal de Educação até 2020;
• combater a evasão escolar;
• cobrar a aplicação da norma constitucional que determina a aplicação de 25% dos recursos dos estados e municípios para a manutenção e desenvolvimento do ensino público;
• promover o acesso à educação técnica, tecnológica e profissional combinado com
educação formal para os jovens;
• garantir transporte escolar seguro a todas as crianças;
• ampliar a oferta de educação de qualidade no campo, garantindo a participação dos movimentos sociais rurais nos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, além de reconhecer e financiar as escolas dos acampamentos (escolas itinerantes), dos assentamentos e dos Centros Familiares de Formação por Alternância (Ceffas) e garantir transporte escolar seguro a todas as crianças.
Plataforma Classista
Publicado Originalmente na Revista Visão Classista
Fonte: www.portalctb.org.br

